Recuperamos a entrevista feita em 2014 a António Mano Azul, aquando do lançamento do programa PIPCO.
Em criança sonhava ser neurocirurgião, sem perceber muito bem o que isso era. Acabou por escolher Estomatologia e dedicar-se à cirurgia da cabeça e do pescoço. Diz que se sente médico e professor, que gosta de ajudar as pessoas e que gostava de trabalhar em Angola para melhorar as condições de vida da população. Com um vasto currículo, António Mano Azul está de momento a ajudar a implementar o PIPCO, “um programa fantástico”.
O Programa de Intervenção Precoce do Cancro Oral (PIPCO) arrancou em março de 2014. Qual a importância deste programa?
É enorme. Que eu conheça não há mais nenhum programa semelhante, em nenhum país. Claro que não conheço todos os países que existem no mundo, mas temos reuniões internacionais de medicina oral e não há nenhum programa deste género. Para dar um exemplo, em Espanha organizaram um programa destes, há dois anos, com um livro para ensinar às pessoas o que são as lesões pré-malignas, o que é o cancro e o que se pode fazer. É um programa feito pela Associação dos Dentistas de forma voluntária, como cá se fazem as campanhas de cancro da pele no verão, por exemplo. Os dentistas aderentes colocam o seu consultório à disposição durante 15 dias, num determinado período do ano, para fazer rastreios gratuitos. Em Espanha o programa é isto. No nosso programa todos os médicos de medicina geral e familiar – que são cerca de 6500 – são obrigados a observar todas as pessoas com mais de 45 anos que fumem ou bebam, que são as duas grandes causas associadas ao cancro da cavidade oral. Além dessas, devem observar todas as pessoas com queixas. Portanto uma pessoa com 30 anos não está fora do programa. Uma pessoa que não fume não está fora do programa.
Que tipo de queixas?
Por exemplo o paciente chegar ao médico de família e dizer que sente um alto na boca, ou que tem uma hemorragia que não passa, ou uma dor na língua. E também todas as pessoas enviadas por qualquer médico dentista para beneficiarem deste programa, que é gratuito. Imagine: vejo um doente que tem uma lesão e escrevo uma carta ao médico de família da pessoa em que refiro que esta tem uma lesão suspeita e queria que entrasse no programa cheque cancro. O médico de família emite o cheque e o paciente vai a um dos médicos dentistas aderentes fazer as biopsias. O que isto implica: todas as pessoas vão ser vistas e se os médicos de família encontrarem dúvidas ou alguma lesão suspeita vão fazer um exame normal à cavidade oral, seguindo um livro que vamos entregar a todos com fotografias. Uma espécie de atlas, com indicações sobre como se faz um exame objetivo. Quase como um guia, em que referimos quais as lesões que se devem procurar, quais as suspeitas.
Quando começou a trabalhar no programa?
Estou desde o início juntamente com o Rui Calado, da Direção-Geral da Saúde. Começámos a falar neste projeto há dois anos e agora a Ordem dos Médicos Dentistas pediu-me para colaborar na formação. Estes médicos de família enviam os doentes para os 240 dentistas que observam as lesões e recebem uma consulta com o cheque. Estes médicos dentistas vão ser pagos por isso, não é como em Espanha que são voluntários. Aqui o Estado paga a consulta, e se os dentistas acharem que a lesão justifica, então fazem uma biopsia. E recebem o preço da biopsia com o segundo cheque. Ou seja, o Estado emite um cheque consulta e um segundo cheque para a biopsia. Depois vem uma transportadora, sem custos para o doente, que leva o material recolhido para o IPATIMUP do Porto. O Estado tem outro cheque para pagar ao IPATIMUP. Isto não se fez em lado nenhum, se funcionar metade do que dizem que vai funcionar é espantoso!
E prazos?
O médico dentista tem de ver a pessoa em 48 horas e o IPATIMUP tem cinco dias para entregar o resultado da biopsia. Posso dizer que a minha anatomopatologista entrega os resultados em 15 dias. A resposta com o resultado segue para o médico dentista e para o médico de família. Se for cancro a resposta é enviada para os dois e diretamente para o IPO da zona, que tem 48 horas para marcar a consulta. Por isso digo: se isto funcionar pela metade, se os prazos forem todos a dobrar, se o dentista vir a pessoa em quatro dias, se o IPATIMUP der o resultado em dez dias e se o IPO marcar a pessoa em quatro dias, em 15 dias temos o doente no IPO a ser tratado ao cancro.
E a nível de listas de espera?
Isto é prioritário, não existem listas de espera.
Porquê a urgência deste programa e destes timings? Quer dizer que o problema é grave e tem de ser atacado o quanto antes?
Este é um problema pequeno, mas muito grave. Pequeno porque há dois mil novos cancros da cavidade oral por ano em Portugal. É o 6º cancro mais frequente, mas não tem o impacto que tem o cancro da mama, não é muito falado, nem tão frequente. Mas por outro lado é o único dos cancros, juntamente com o da pele, em que a pessoa olha e vê se tem alguma coisa. Se os doentes e os médicos tiverem o cuidado de fazer uma observação, isto é obrigatório. O médico de família tem de olhar para a boca do doente. Estes dois mil cancros, se forem apanhados até aos dois centímetros de tamanho, a taxa de sobrevivência é de 80% a cinco anos. Da maneira como estão a ser detetados em Portugal, normalmente em estadios 3 e 4, são tumores com mais de 2 centímetros, têm 4 ou 5, já têm metástases e a taxa de sobrevivência baixa para os 35%. No nosso país, só 35% das pessoas com cancro sobrevivem cinco anos, isto é abaixo da expectativa na União Europeia, que se situa entre os 45 e 47%. É pior porque os doentes quando procuram ajuda já estão num estado muito avançado da doença. Chegam com lesões de 4 e 5 cm, com invasão, fazem cirurgia, eventualmente associas a radioterapia, mas o prognóstico é reservado. Este é um cancro cirúrgico, o tratamento é cirúrgico, a radioterapia pode ser usada como coadjuvante, mas não é um cancro tratado com quimioterapia, como a leucemia.
Atualmente as pessoas vão procurar ajuda diretamente ao IPO?
As pessoas andam pelos médicos dentistas, pelos médicos de família, pelos otorrinos. As pessoas têm algo na boca e muitas vezes aquilo que se chama o delay para chegar aos IPO’s na Europa ronda os seis meses de atraso. Em Portugal é um pouco mais e muitos responsabilizam os clínicos gerais por este atraso. Mas até agora os clínicos gerais não tinham uma arma. Primeiro esta não é a área deles, a pessoa chegava com queixas na boca e diziam para marcar consulta num dentista. Mas quantas pessoas podem pagar, quantas pessoas marcavam realmente consulta no dentista? Até marcar e ir à consulta aumentava ainda mais este atraso. Agora o clínico geral, quando tem suspeitas, diz ao doente que tem uma lista com 240 dentistas. O doente vê qual o sítio onde lhe dá mais jeito marcar a consulta, de norte a sul do país. E o dentista tem 48 horas para receber a pessoa. O programa é fabuloso!
Quem construiu o programa? Está a ser desenvolvido desde quando?
O programa nasce de uma conversa com o Rui Calado. Tal como já existe o cheque dentista para a cárie, como temos médicos dentistas referenciados a emitir cheques para tratar crianças, grávidas, idosos, ou doentes do rendimento social de inserção, como temos um bom programa computorizado, gostaria de incluir a parte do cancro oral. Também dei algumas ideias e o programa tem de estar inscrito no Orçamento de Estado, pois vai ser gasto mais dinheiro. O programa estava pensado há muito tempo e só há um mês tivemos o OK para avançar a sério. Foi a Direção-Geral de Saúde que fez isto, com a colaboração da Ordem dos Médicos Dentistas. Aliás, uma parte dos custos são pagos pela OMD, a formação dos médicos dentistas foi suportada por eles, tal como os livros produzidos para os médicos de medicina geral e familiar. Foram produzidos 15 mil exemplares para entregar também aos dentistas. Sempre gostei muito desta área da saúde pública.
Este é um programa pioneiro, pelo que vai ser muito interessante analisar os resultados.
Sim, para todo o mundo. É daqueles programas que, independentemente dos resultados, qualquer pessoa na área de saúde pública, ou na nossa área, vai gostar de apresentar isto daqui a alguns anos e dizer: ‘fizemos assim e falhou por isto e aquilo’. Ou então ‘funcionou muito bem, por isso façam algo semelhante’. Qualquer que seja o resultado, no início disse uma coisa: o que me chateia no programa é que não encontro erros. Não encontrei falhas! Mas vai haver falhas pelo meio e é aí que as vamos detetar. Por agora parece tudo perfeito demais. A falha pode passar pelos clínicos gerais. É difícil controlá-los, devem estar cheios de trabalho e vão receber mais um papel. Eu próprio fiz medicina e durante quatro anos fiz medicina geral. Hoje em dia estes médicos têm muito trabalho e vão receber mais um papel da DGS a dizer que têm de fazer mais isto. Se não fizerem, o programa morre aqui.
E se eles não fizerem?
Se não fizerem pode ser detetado. Está tudo computorizado, daqui a seis meses vou verificar quantos doentes foram vistos por um determinado centro de saúde. A população de Lisboa está envelhecida, se em seis meses um determinado centro de saúde não viu ninguém para o programa pergunto o que se passa. Não viram nenhum doente com mais de 40 anos que fume e que beba no nosso país? O que se passa?
E as pessoas que não têm médico de família?
Têm médico de família de recurso, isso foi uma situação que me informei. A pessoa vai ao centro de saúde, diz que tem uma lesão e é vista nas chamadas urgências, não precisa ter um médico de família normal.
A nível dos médicos dentistas qual é conhecimento que têm sobre cancro oral?
São as pessoas que têm mais conhecimento sobre cancro oral. Os dentistas e os estomatologistas são as pessoas que trabalham na cavidade oral. E os especialistas na cabeça e pescoço do IPO porque só fazem tratamento de cancro da cavidade oral. Os otorrinos pela proximidade têm conhecimentos sobre cancro oral, mas dentistas, estomatologistas e otorrinos são as pessoas que tratam o cancro oral.
A OMD pediu o seu apoio para o programa. Qual é o seu papel?
Sou consultor. Sempre dei aulas a médicos dentistas, em duas faculdades no porto. Aliás dava aulas na Faculdade de Medicina porque lecionava Microbiologia, antes de me dedicar a esta área. Portanto ajudei a formular o livro que vai ser enviado para os clínicos gerais e aos médicos dentistas.
Que tipo de informação inclui?
É uma espécie de atlas com informação sobre as causas do cancro oral, qual a epidemiologia, o número de casos, ou seja, informação breve. Depois o que está associado ao cancro da cavidade oral, que tipo de lesões procurar, lesões potencialmente malignas e que se forem removidas o paciente nunca chega a ter cancro. Também tem uma parte inicial que explica como observar cavidade oral em três minutos, de uma forma sistematizada, começando por um lado, ver a face interna dos lábios, a fase interna da boca, o rebordo alveolar, chamando a atenção para as áreas onde aparece mais casos de cancro, o pavimento da boca e língua. É um instrumento útil para consulta e também vai estar online. Fizemos igualmente um Curso de Formação Teórico-Prático, no Porto e em Lisboa, onde apresentámos 800 slides clínicos porque a medicina oral é uma medicina de atlas. Temos de ter os olhos preparados para ver lesões. Não é algo teórico como a insuficiência cardíaca. São necessários muitos exames, habituar os olhos a ver lesões. Agora vamos fazer dois cursos práticos de biopsia para voltar a praticar porque as pessoas saem das faculdades com formação, fizeram cirurgia, sabem fazer biopsias, mas muitos dos dentistas não se dedicaram à cirurgia, dedicaram-se a fazer próteses e restaurações, pelo que vamos fazer um curso prático de um dia em que vão praticar as técnicas de biopsias. Também tinha pensado no final do ano fazer uma reciclagem destes 240 dentistas, em que vamos verificar quantas pessoas viram, que tipo de biopsias fizeram, quantas vezes acertaram. Fazer um ponto de situação do ponto de vista pedagógico, insistir mais nas lesões que falharam, e depois de ter os resultados fazer outro curso vocacionado para aquilo que descobrimos que são as insuficiências.
Porque decidiu escolher Estomatologia? Tem formação em medicina, porque optou por esta especialidade?
Tirei o curso de Medicina e era assistente de Microbiologia da Faculdade de Medicina, tenho um Prémio Pfizer de investigação em Microbiologia. Esta é uma área muito boa para fazer investigação, mas não permite o contacto com os doentes. A pessoa está num laboratório e eu gosto de doentes. Depois entre uma especialidade médica e cirúrgica estive ligado à gastroenterologia no tempo de um Professor famoso da Faculdade de Medicina – Prof. Pinto Correia – e fiz um estágio em Londres, no Guy’s Hospital, mas sempre gostei de cirurgia. Nesta altura, a gastroenterologia intervinha muito pouco, acabei o curso em 1980, hoje em dia são muito interventivos, quase micro cirurgiões, mas naquela altura não era assim. Pensei em fazer uma especialidade cirúrgica com um Professor que tinha na altura, o Dr. Carneiro de Moura, que me dizia para não ir para cirurgia porque era um bom médico. Acabei por fazer voluntariado na cirurgia pediátrica do Hospital de Santa Maria e operava muitas fendas palatinas, a área da cavidade oral. Havia muitas crianças com malformações da cabeça, e comecei a interessar-me pela área da cabeça e pescoço. Mas em Portugal não há especialidade de cirurgia de cabeça e pescoço, é possível operar nesta área ou pela Maxilo-facial ou pela Estomatologia. Na época em que ainda havia uma Estomatologia mais ou menos florescente, as Faculdades de Medicina Dentária começaram a aparecer, pelo que achei que devia optar pela Estomatologia. Dediquei-me à parte cirúrgica e de patologia, nunca fui uma pessoa que se tivesse dedicado a tratar dentes, ou a fazer próteses. Usei a Estomatologia como uma via para praticar cirurgia da cabeça e do pescoço. Depois fui para Berlim ao encontro de um bom cirurgião em medicina oral – Peter Eckhart – e estagiei com ele e com Jens Jorgën Pindborg em Copenhaga. Estive envolvido em ações da Organização Mundial da Saúde, estive em Bombaim no início da epidemia da Sida, trabalhei com prostitutas infetadas e fiz a minha formação. Dediquei-me sempre a esta área, as doenças da cavidade oral, que tem uma componente cirúrgica muito grande. Em criança queria ser neurocirurgião porque devo ter visto alguma série que metia um neurocirurgião, mas nem sabia o que era isso.
Não sabia o que era, mas queria ser neurocirurgião?
Sim. Vivi 14 anos no Brasil e havia muitas séries de televisão com médicos, deve ter sido por isso. Podia ter ficado pela Microbiologista, o Prof. Torres Pereira, que era o chefe da disciplina, gostava de mim, tinha ganho o grande prémio de investigação, podia ter ficado agarrado ao laboratório a fazer investigação, mas gostava do contacto com os doentes e dei outro passo.
E como vem a ligação à oncologia?
A principal doença da cavidade oral é o cancro e muitas destas lesões precedem o cancro. Estive no IPO enquanto estomatologista, vim para oncologia e acabei por não ficar porque estava nas faculdades e era complicado. Fui diretor de um instituto a partir de 1995 e era incompatível. Não sou organizado, nem em casa quanto mais numa faculdade (risos).
Mas como não é organizado e tem um currículo tão extenso, diretor de vários cursos, deu aulas no estrangeiro…
A parte de gestão é muito chata! Gosto de dar aulas, gosto de ensinar os alunos, gosto de transmitir o que sei fazer. Estar sentado à secretária a tratar de problemas de gestão do dia-a-dia, ou em reuniões, torna-se uma tarefa completamente burocrática, não tinha tempo para ser professor. Lembro-me que no último ano antes de me demitir da direção, os meus alunos assistentes diziam que eu não dava uma aula teórica há três meses. Tinha reuniões, chegava a estar no consultório e diziam que tinha de ir a uma reunião no Ministério, não conseguia dar aulas, acabava por ser um burocrata de gestão, mas não fiz gestão! Não estou preparado para ser diretor de nada! Não estou!
Hoje em dia é diretor de algo?
Eu não! Nem sou diretor clínico da minha clínica! É preciso gostar de papéis, reuniões e eu não gosto. O que gosto é de ir para a clínica e gosto de ensinar a operar. Gosto de ensinar! Sempre me sentei com os alunos, era o diretor da faculdade e quando dava aulas sentava-me com os alunos a ensinar. É o que gosto de fazer.
Sente-se médico e sente-se professor?
Eu gosto de ser médico e de ser professor, exatamente!
Uma vez li uma entrevista do Professor Sobrinho Simões em que dizia que tinha de estar no laboratório pois não conseguia lidar com o sofrimento das pessoas.
Comigo é ao contrário. Acho que há pessoas que têm capacidade para estar com os doentes, há pessoas que não têm e devem dedicar-se às questões laboratoriais. Acho que tenho capacidade para estar com os doentes. Olho para eles, explico-lhes o que têm, digo quais são os bons sites para irem à Internet procurar mais informação, gosto de comunicar com os doentes. Hoje em dia não se fala com as pessoas, não se explica nada. O paciente não pode ser o doente da cama 30, tem de ser o Sr. João Silva. Tem de haver uma ligação entre médico e paciente. O doente tem de sentir que estamos lá para ele, que estamos a colaborar no tratamento, a dar o nosso melhor. Os meus pacientes entram no consultório e dizem que estou sempre contente e a sorrir. Ora se estou chateado desmarco as consultas. As pessoas estão doentes, têm medo do que lhes vou fazer, ou têm medo do que podem ter e encontram médicos chateados com a vida? Então fiquem em casa e não vão dar consulta. Se não estou em condições não vou trabalhar.
Como é o seu dia-a-dia?
É giro (risos). Gosto de muita coisa, gosto de cozinhar, de fazer desporto. Cheguei a jogar basquetebol profissional na primeira divisão. A equipa tinha um pivot americano com 2,05 m, eu era a segunda pessoa mais alta da equipa, com 1,93 m, que hoje em dia não é nada. Na altura fui fazer um estágio de verão com os New York Nicks a Nova Iorque, nunca pensando que poderia lá ficar. Quando cheguei e me perguntaram em que posição jogava disse que era um 5. Para quem joga basquetebol, o 5 é o pivot, é o jogador mais alto da equipa e eles riram-se porque eu era da altura do base deles, o Clyde Drexler, o jogador mais baixo da equipa. Eu tinha 1,93 e havia jogadores com 2,20! Em Portugal jogava na posição 5, o que era um pouco ridículo, pelo que percebi logo que não tinha carreira no basquetebol. Mas gosto muito de ouvir jazz, gosto de estar com os amigos.
E gosta de cozinhar?
Sim, cozinhar não é um hobbie. Cozinho todos os dias, não sou daqueles homens que dizem gostar muito de cozinhar, mas depois fazem uma petiscada uma vez por ano e deixam a cozinha toda suja. A comida é cozinhada por mim, a cozinha foi desenhada por mim e cozinho todos os dias. Gosto de fazer jantares para 100 pessoas, faço sempre o jantar de fim de ano e gosto dessa organização, de pensar no que vou fazer. Sou organizado senão não consigo, escrevo tudo o que preciso e vou às compras. Gosto de todos os tipos de pratos, desde peixe cru com vegetais, até pratos portugueses, coisas mais elaboradas. Ontem por exemplo fiz um pato assado. Não sou muito dado a inventar, gosto de comida normal. Não gosto de doces, para mim uma sobremesa é um bom queijo e um copo de vinho tinto.
Como vê o estado da medicina dentária em Portugal?
Está bestial! Em termos de qualidade é fantástica. Tal como a medicina portuguesa, que em termos de qualidade é fantástica. Só quem não conhece outros países é que diz mal de Portugal. No estrangeiro, os cuidados que temos nos hospitais públicos só os encontramos nos hospitais privados. Serviços de top só nos hospitais privados. Achamos que a medicina resolve tudo e deixámos de aceitar a morte. A medicina tem de resolver tudo. Claro que depois as pessoas não têm a proteção que têm noutros países, os nossos processos médicos dão muito pouco resultado. Os médicos que são negligentes deviam ser processados a sério. Os médicos que andam a ser acusados de burlas deviam estar presos e nesse aspeto a justiça portuguesa é má. Há burlas com as receitas, sempre houve, que envolvem médicos, farmacêuticos e delegados de informação médica. O Estado diz que foi burlado em 4 milhões de euros e decide fazer novas vinhetas, novas receitas que obrigam 40 mil médicos a comprar novas vinhetas e receitas. Porque não prendem os médicos acusados de burla? É muito mais dissuasor. Não conheço nenhuma pena nos últimos anos para estes casos. Pagam todos.
Tem um currículo muito rico, já viajou muito, o que ainda gostava de fazer? Ou o que ainda não conseguiu fazer?
Gosto muito de viajar, gostava de fazer algo em Angola ou Moçambique. Fui convidado para assistir ao Congresso dos Médicos Dentistas em Angola porque duas das colegas dentistas que estão à frente da futura Ordem dos Médicos Dentistas de Angola foram minhas alunas. Convidaram-me para ir ao congresso e gostei muito. As pessoas têm uma ideia muito má de Angola. Vivi 14 anos no Rio de Janeiro e musseques conheço eu. Aquilo não é musseque nenhum, é giríssimo. Comparado com os morros do Rio de Janeiro, onde morrem pessoas, onde a miséria é absoluta, eu adorei estar em Angola (risos). Gostava de fazer algo em Angola, mas não do ponto de vista económico ou como oportunidade de negócio. Gostava de fazer algo pela saúde pública e ajudá-los ou mesmo pelos médicos. Ajudar a melhorar a medicina.
Médico, Especialista em Estomatologia. Nasceu no Huambo, em Angola, e concluiu o ensino primário no Colégio Mallet Soares, no Rio de Janeiro. Dedica-se exclusivamente à Medicina e Cirurgia Orais. Esteve sempre ligado à docência em Portugal desde a FMUL (Microbiologia) ao ISCSS – Egas Moniz (Terapêutica Especial e Coordenador do Curso), passando pela FMDUL (Cirurgia Oral) e pelo ISAVE (Patologia e Oncologia Orais). Recebeu o 1º Prémio Pfizer para Jovens Investigadores.
No estrangeiro foi Professor Visitante na Dinamarca, Suécia, EUA, Grã-Bretanha, Espanha, Itália e Turquia e Professor Associado da European Faculty of Oral Health Sciences e do Mestrado Europeu de Medicina e Cirurgia Oral em França.
Tem 114 trabalhos e resumos publicados em revistas científicas em Portugal e no estrangeiro, entre as quais o Journal of Oral Pathology and Medicine, Journal of the American Dental Association, Journal of Oral Surgery, Oral Medicine, Oral Pathology and Endodontics , Journal of Oral Rehabilitation, International Dental Journal e Oral Oncology.
Tem 6 livros e capítulos de livro publicados, entre os quais um no Reino Unido e dois nos EUA. Foi, entre outros, Diretor da Revista Portuguesa de Estomatologia e Cirurgia Maxilo-facial e Membro do Conselho Editorial do Dental Aliance for AIDS/HIV Care. É fundador e foi Presidente da European Association of Oral Medicine.