Há uns tempos ouvi dizer que um reality show é como um acidente na estrada, ninguém gosta mas toda a gente para! E agora estamos assim mesmo: parados e sem gostar de toda a situação. Parece a Casa dos Segredos: estamos sempre em direto no Zoom ou no Instagram e, a avaliar pelos TikToks e peripécias caseiras que a maioria partilha, parece que tanto tempo fechados nos está a afetar o intelecto. Resta-nos sempre aquela esperança do #vaificartudobem e que muito brevemente estaremos a ouvir algum governante (qual “VOZ”) dizer: é tempo de abandonar a casa, é tudo por agora!
Mas, com isto, apelo ao patriotismo de cada um e a que sejamos positivos (passando a expressão, eu disse “ser” e não “estar”), olhemos para o nosso legado histórico, para o nosso Sebastião de Melo ou Marquês de Pombal. Nós, humanos, somos uma incrível máquina de adaptação, que facilmente se conforma a um novo ambiente e paradigma. Até inícios de março deste ano, a economia parecia melhorar e a vida aqui pelo feudo decorria sem grandes alaridos, até que um terramoto abalou toda a vida tal como a conhecíamos.
Controvérsias históricas à parte, o Marquês teve o mérito de ser a voz de liderança para um povo desmoralizado e traumatizado pela catástrofe de 1755. E se ele fosse dentista? O que diria da nossa atual situação?
O Marquês começou por aquilo que em todos os livros de gestão de crise se defende: planeamento! Sem saber para onde se quer ir, não sabemos que caminho escolher.
O plano Pombalino ficou famoso, entre vários motivos, por uma das primeiras ordens: enterrem-se os mortos e cuide-se dos vivos!
Depois de isto tudo passar, porque vai passar, o mais provável é que só as clínicas mais bem geridas, os profissionais e equipas mais capazes se irão manter. A dura verdade é que temos de aceitar que há quem vá cair. O nível de exigência, se já era alto, alto ficará. O público tem agora uma melhor noção do que são os custos dos serviços e equipamentos de saúde e, possivelmente, valorizará um serviço de saúde de qualidade. O que pode isso trazer de bom? O público vai, tendencialmente, escolher por valor e já não apenas ou só pelo preço.
A Lisboa Medieval era uma cidade escura e muito desorganizada de ruas e ruelas estreitas. Após o Grande Terramoto, tanto o Rei como o Marquês impuseram a demolição de tudo e a construção de uma cidade de ruas e avenidas largas e retas. Foi aí que os Portugueses mais uma vez mostraram o seu valor e espírito inovador: nasceu aqui a construção parassísmica. Outro ponto positivo: depois de toda esta “Covidestruição”, muitas inovações se seguirão e, tal como os edifícios parassísmicos, estaremos mais fortes para crises futuras.
Por último, mas não menos importante, após o Terramoto aconteceu algo excelente: foi o fim da Inquisição! Acabou a opressão sob a desculpa da religião e o povo ganhou um novo fôlego. Passando a analogia para o nosso mundo dos dentes, com o preço dos EPI, a quebra no poder de compra da população, etc., colocam-se as questões:
Quem vai querer continuar a trabalhar com planos de saúde que prometem tratamentos gratuitos?
Quem continuará a dedicar-se à engenharia de tabelas de preços de seguradoras?
Não será este também o fim de muitas destas entidades opressivas?
Sou um otimista, reconheço a crise que vivemos, mas recuso-me a não tentar ver o que de positivo se possa tirar de todas as situações. E, qual Casa dos Segredos: é tudo por agora!
*Artigo de opinião publicado originalmente na edição de maio/junho de 2020 da SAÚDE ORAL.


