É uma questão cuja resposta nos compete a nós, médicos dentistas, a responsabilidade individual e colectiva de informar.
Concordarão todos aqueles que nalgum momento tiveram contacto com serviços de medicina dentária em Portugal, que alguns itens estiveram / estão (e estarão) sempre presentes, fazendo já parte do imaginário colectivo da profissão na sociedade:
– A máscara;
– As luvas;
– A bata (ou farda clínica);
– Material descartável de utilização única (aspiradores, bandejas, babetes, copos, etc.);
– Material não descartável esterilizado e empacotado.
Estes, são a parte visível de um conjunto alargado de protocolos de bio-segurança que desde há muito fazem parte das rotinas de todo o consultório licenciado para o exercício da medicina dentária em Portugal.
Há, no entanto, um outro lado “invisível” que acontece antes do doente chegar e depois de sair e que incluí:
– Protocolos e produtos de desinfecção que eliminam bactérias, fungos e vírus (entre os quais coronavírus);
– Circuitos independentes para recolha de material sujo e distribuição de material limpo;
– Equipamentos de esterilização certificados, calibrados e avaliados periodicamente;
– Profissionais dedicados ao controle de infecção durante e entre consultas – um grande obrigado aos(às) assistentes dentários(as)!;
– Entre tantas outras dinâmicas que, por fazerem parte da rotina das nossas equipas, se tornaram quase “invisíveis”.
Se já existia tanta segurança, porque foi preciso parar?
Tal como no passado — perante surtos de SIDA, tuberculose, e outros —, os riscos associados a doenças (“novas” e “antigas”) são indissociáveis do nosso exercício profissional. Sempre os soubemos gerir. É em função das medidas implementadas para a “gestão do risco” que poderemos avaliar as consequências de uma ameaça.
Sabe-se que, globalmente, desde cedo defendemos e apoiámos a “paragem”. No entanto, este foi uma vez mais apenas o lado visível, a perspectiva de uma sociedade em posse de factos parcelares. Temos então o dever, diria mesmo a obrigação, de educar sobre o “invisível”. Aquilo que de forma colectiva, com grande espírito de entre-ajuda, consiste na constante partilha de informação relevante, na reavaliação e actualização permanente de protocolos e estratégias fundamentados tanto na ciência do presente como nas experiências do passado. sempre focados nas necessidades do doente. Apesar da “paragem”, em momento algum esteve a medicina dentária portuguesa “parada”!
Durante este período, atentos à realidade internacional, assistimos à validação e importância de protocolos de bio-segurança “antigos”, reforçando (ainda mais) algumas medidas. Beneficiámos da ciência e experiências partilhadas pelos que antes de nós enfrentaram este desafio. Estou certo de que, oportunamente, daremos também o nosso contributo para que colegas de outras geografias possam dele extrair benefícios, alimentando o poderoso ciclo do conhecimento através da difusão multidisciplinar de informação, que a todos nos serve a enquanto Humanidade.
Por estes motivos, parar nunca constituiu um sinal de perigo. Foi sempre a mais alta afirmação da defesa de um valor que colectivamente praticamos e partilhamos: segurança!
Não é afinal esta a importante “paragem” tantas vezes invocada para outros aspectos das nossas vidas?
Terá já a sociedade, colectiva e individualmente, sido verdadeiramente capaz de parar para melhorar?
Só o tempo nos dará essa resposta.
E como podemos confiar que novas medidas na medicina dentária serão eficazes?
Como referi anteriormente, estando atentos às informações que nos chegam de países afectados mais cedo.
Hoje, dia 2 de Maio de 2020 [data de conclusão deste artigo], com mais de três milhões de pessoas infectadas, e apesar de se terem continuado a realizar consultas de medicina dentária para dar resposta a situações urgentes e inadiáveis, não encontrei uma única publicação científica reportando um consultório de medicina dentária como local de disseminação de covid-19 na comunidade, no mundo!
Relatos do primeiro país afectado, publicados numa das mais prestigiadas revistas científicas da nossa área, reportam inclusivamente que:
1.º Antes da implementação de medidas específicas:
“A infecção foi possivelmente limitada devido ao uso rotineiro de máscaras cirúrgicas e luvas durante os actos clínicos, prevenindo a transmissão.”
2.º Depois da implementação de medidas específicas:
“Apesar do crescente aumento do número de casos durante este período em Wuhan, nós (uma equipa de 169 funcionários envolvidos na prestação de urgências médico-dentárias) tratámos mais de 700 pacientes que requeriam assistência por emergências dentárias desde o dia 24 de Janeiro, aplicando as medidas adequadas de protecção. Todos os procedimentos realizados foram registados (…) Não houve mais infecções por covid-19 registadas nos nossos funcionários, o que confirma a eficácia das nossas medidas de controlo de infecção para a covid-19 em ambientes dentários.”
- Meng, F. Hua, Z. Bian. Coronavirus Disease 2019 (COVID-19): Emerging and Future Challenges for Dental and Oral Medicine. Journal of Dental Research, 2020
Continuarei atento.
É então chegado o momento de retomar a actividade clínica, de forma responsável, gradual, vigilante. Difundindo uma mensagem equilibrada de segurança, alicerçada no conhecimento e nas novas medidas preventivas implementadas e adaptadas à realidade de cada consultório. Cientes da importância da saúde oral numa sociedade que, também a seu tempo, a saberá reconhecer. Conscientes que do respeito pelo SARS-CoV-2 continuará a depender o nosso futuro.
Um profissional de saúde bem informado é uma sociedade protegida.
*Médico dentista, OMD n.º 7713
Programa de Especialidade em Prostodontia, New York University College of Dentistry
Nota: A pedido do autor, este artigo de opinião foi publicado seguindo as normas do antigo acordo ortográfico.